sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Say again!



Na década de 70, quando eu ainda era um sargento recém formado, questionei o oficial chefe do destacamento sobre a falta de conhecimento da língua inglesa. Isso porque vi que meu inglês tosco não ficava atrás da fluência dos velhos controladores com larga experiência que operavam ao meu lado. Fiquei perplexo quando ouvi a resposta do eminente oficial: “o domínio do inglês para o sargento é seu passaporte para a vida civil, por isso a FAB não tem interesse nesse aprimoramento”. E assim, apesar de ter passado por muitos apuros com tráfego internacional, consegui terminar meu tempo de serviço incólume, entre “repeat please”, “speak slowly”, “say again”, e outros termos de salvação.
Não sei se o leitor já ouviu essa histórica estória pelos corredores aeronáuticos, e que reflete o grau de periculosidade da nossa formação. Difícil acreditar, mas o caso é verídico e eu o presenciei.

Em 24 de março de 1998, dois jatos estrangeiros (América Central) com tripulação americana (um Boeing 727 e um Cessna 500) ambos a serviço da diretoria do Banco de Boston, solicitaram à TWR Congonhas o clearence do plano de vôo com destino a Brasília, transportando altos funcionários e executivos internacionais do banco. O primeiro piloto do B727 recebeu a autorização do plano, porém não entendeu e solicitou que a TWR repetisse a instrução. O controlador repetiu por duas ou três vezes, sendo que na última vez o piloto pediu que ele soletrasse... “please spell”, mas o controlador não entendeu e repetiu suas instruções de plano de vôo e da saída a ser executada e solicitou que o piloto cotejasse o recebimento. O piloto de uma forma inacreditável assim cotejou: “Ok cleared to Brasília, Flight Level 310, after departure maintain five thousand feet “on aaa huhuhu on brbrbrbrbr departure” e o controlador aceitou. O piloto procurou em sua pasta de navegação e simplesmente escolheu uma das saídas de Congonhas e prosseguiu no táxi para a cabeceira 35. Durante o táxi esse efetuou contato em uma freqüência reservada com o piloto do segundo avião que alegara ter tido a mesma dificuldade no entendimento das instruções. Como fariam o mesmo trajeto, combinaram a mesma saída!
Após decolagem da pista 35, ao chamar o APP SP (controle radar de saída) o B-727 voou inadvertidamente no rumo norte para Brasília e conflitou perigosamente com um Boeing 767 da American Airlines que fazia aproximação para a cabeceira 09 de Guarulhos, obrigando o mesmo a executar uma saída evasiva para evitar a colisão. Minutos depois, antes mesmo dos controladores terem se refeito do susto, o segundo avião decola e cumpre a mesma trajetória passando novamente perigosamente próximo de outra aeronave que também se aproximava para pouso em Guarulhos. Nos dois eventos, mesmo com as ações evasivas das aeronaves envolvidas, a distância das quase-colisões não foram superiores a 150 metros.
Foram dois riscos críticos de quase-colisões frontais entre 4 aviões de grande porte em menos de dez minutos, creditados à deficiência do idioma por parte do controlador da TWR. Os controladores do APP Radar São Paulo chegaram aos limites de suas forças emocionais e foram substituídos de imediato. Eles ainda estão na ativa e só agora receberam, assim como todos os demais, um curso intensivo de inglês para sanarem suas deficiências, apesar das urgentes recomendações dos RICEAS - Relatórios de Incidentes do Controle do Espaço Aéreo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário. Obrigado!