sexta-feira, 16 de março de 2012

De olhos vendados, ordinário... Marche!


... “Só progridem nas burocracias os muito obedientes e os pouco criativos. Qualquer burocracia pública é assim: Inovação e atrevimento são punidos. O conformismo é premiado.” - *Prof.Dr. Alexandre de Souza Costa Barros

É sempre traumática uma disputa entre dois grandes ex-aliados. Para ambos o perigo reside no conhecimento mútuo. Vencerá a contenda quem for mais informado, mais talentoso, tanto para criar quanto para seduzir, assim como Deus e o insurgente anjo de luz e fé. Nesse caso, a força só é eficaz quando age como um fiel de balança, atendendo a um pequeno gesto da opinião pública para ser aplicado de um lado ou de outro, com o polegar para cima ou para baixo. Assim teria acontecido com Jesus e Barrabaz, ou nas batalhas entre gladiadores bárbaros e cristãos no Coliseu. Assim tem acontecido ainda nos terríveis linchamentos físicos e morais da história moderna. Assim aconteceu quando o povo brasileiro aceitou a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em 1964. E recentemente não foi diferente com os controladores de tráfego aéreo durante e depois dos episódios relacionados com o caos aéreo. Foram crucificados pela opinião pública, que por sua vez, foi meticulosamente desinformada e confundida pela mídia tendenciosa e comprometida. Tudo se consolida no convencimento das massas pelo interesse de quem está e quem deseja estar no poder, como um expressivo empenho à desinformação.
Buscando no passado por situações que ajudassem a imaginar ou entender o desfecho dessas atuais agruras, não encontrei nada mais interessante do que a história da própria corporação e de seus personagens mais expressivos. Calculei que dessa forma, ao se olhar para traz, se teria uma idéia do que esperar pela frente. E como não poderia ser diferente, iniciei minha jornada buscando conhecer a vida da personalidade mais ilustre, ou seja, do Patrono da nossa Força Aérea, aquele que norteia, orienta e deixa rastros que devem ser seguidos por seus pares e subordinados. Será?
Minha admiração pelo Marechal Eduardo Gomes foi fruto da “iniciação doutrinária” que é aplicada aos recrutas na chegada à caserna. Com o passar do tempo, atraído por sua biografia impoluta, despi-me momentaneamente da farda azul, e de forma totalmente descomprometida de qualquer corporativismo, procurei separar a verdade do mito. Apesar da revelação dessa pesquisa causar-me certa perplexidade, trouxe-me também um prazer inusitado. Deparei-me com personagens realmente interessantes, que não receberam da Força a mesma reverência dada ao “Brigadeiro”. Aos grandes vultos da história reservam-se os mais altos pedestais, as mais valiosas redomas. Aos chamados “co-adjuvantes” relegam-se apenas os documentos de expediente, sepultados pela poeira e corroídos pelas traças dos arquivos, mortos. Fartei-me com a biografia do grande Marechal Casimiro Montenegro Filho, contemporâneo de Eduardo Gomes, que foi resgatada e contada em primeira pessoa, pelo escritor Fernando Morais em seu livro "Montenegro, as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil". Uma merecida homenagem ao grande aviador que apesar de ser enaltecido por ter realizado o primeiro vôo do CAN, foi responsável nada menos do que a criação do ITA, do CTA e do desenvolvimento da Embraer. Uma boa leitura. Veja a resenha.

Já Eduardo Gomes, lembrado pela oficialidade da Aeronáutica pelo lema: “- O preço da Liberdade é a eterna vigilância”, deixou aos subalternos um atraente conceito de hierarquia que não divide, não afasta irmãos, mas que talvez tenha sido colocado de escanteio para não ser questionado ou reclamado pelo baixo escalão. Essa visão dúbia do Patrono coloca em lugar de destaque apenas interesses de comando, enquanto seus exemplos mais contundentes e questionáveis, apesar de verídicos, são espremidos nas entrelinhas, com letras minúsculas e de difícil leitura.

Durante uma busca na rede mundial de computadores, fiquei surpreso com a retirada do lema: “A hierarquia existe para definir níveis de decisão e nunca para afastar aqueles que vivem sob o mesmo juramento”, atribuído ao Brigadeiro Eduardo Gomes da página eletrônica da Turma BQ-68 - EPCAR, justamente a turma que, além de ter sido batizada no passado pelos pré-cadetes com o nome do Patrono, preenche hoje em 2008, grande parte do alto escalão no Comando da Aeronáutica. O que teria acontecido com as convicções daqueles garotos de 1968 para cá? Seria a constatação de que aquele conceito de hierarquia não passou de um engodo para seduzir e arregimentar subalternos no levante conhecido por “18 do Forte”? Quem sabe? Além dos dois únicos sobreviventes desse levante, os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos, alguém se lembra de algum militar que, não menos herói, teria dado sua vida por aquele ideal? Os registros eletrônicos não fazem referência a todos os 16 mortos. Eles citam apenas, além dos tenentes Mário Carpenter e Newton Prado, o civil Otávio Correia, o cabo Reis; os soldados Hildebrando Nunes; José Pinto de Oliveira; Manoel Antonio dos Reis e outros desconhecidos da Primeira Bateria Isolada da Artilharia de Costa. Desconhecidos? A eles não se pode sequer homenagear com um nome de rua. Devem apenas contentar-se com o compartilhamento da cova simbólica e coletiva de um túmulo qualquer de “Soldado Desconhecido”.
A simpatia, o carisma pessoal e político do “Brigadeiro” eram inegáveis, mas tenho me perguntado se algo não está fora de ordem. Afinal, um patrono representa ou não um exemplo a ser seguido? Seria “o contraditório” o requisito que destaca e fundamenta a escolha? Se o militar ao insurgir-se contra a corporação comete um crime; Se o militar ao rebelar-se contra o Governo Federal também comete um crime; Se o militar demonstrar ou buscar ideais não-legalistas, da mesma forma, comete um crime; Se um militar ao conspirar para a deposição do Presidente da República (Comandante-em-chefe) comete um grave crime; Se os princípios basilares da instituição militar são hierarquia e disciplina e, se esse conceito de hierarquia de Gomes não é adequado, e diante de tantos deméritos que feriram a ética na caserna, por que foi escolhido Eduardo Gomes? Por quê? (Resumo biográfico)
Antes de se rotular peremptoriamente que “ações pró-ativas” são frutos de lideranças negativas, torna-se necessário definir por qual caminho a Força Aérea deseja que a tropa siga? Seria o do empreendedorismo “casimiriano” ou da obsessão “eduardista” pelo poder? Confesso que estou confuso, mas estando na reserva só me resta torcer por um desfecho justo e produtivo. Temo, porém, que essa disparidade de pesos e medidas esteja desorientando também a tropa que agora aprendeu a pensar, e que na busca por um limbo análogo ao Cruzeiro do Sul, desloca-se em paralelo às rotas traçadas pela corporação. Considero com certa obviedade que, se continuarem de olhos vendados, ainda que se esforcem, é improvável que consigam continuar marchando “às cegas”, ombro a ombro, alinhados e cobertos, no rumo de um objetivo único. Por isso, acredito que, enquanto não se restabelecer a unidade através do respeito mútuo, a admiração gratuita e recíproca entre comando e comandados, e a confiança dos subalternos de que as ordens dadas sempre visam o bem coletivo, não se pode esperar outro tom de diálogo que não seja: “- Ordinário... marche!”

Paz e Bem.
Mário Celso Rodrigues
Controlador de tráfego Aéreo

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