Nos idos de 2007, resultado de uma série de acontecimentos acumulados ao longo dos anos -hipertensão, crise financeira, depressão - veio o inevitável colapso e a constatação prematura de um diagnóstico triste: “morte encefálica”.
Entregue a um coma induzido, inerte por três dias sem registro de qualquer atividade cerebral, o moribundo, dentro de certas prioridades, passou a ser alvo de cobiça das doações de seus órgãos. A família perplexa, desestruturada e acéfala, ao ser bombardeada com questionamentos e pedidos insólitos, recolheu-se, fugindo das grandes intervenções, até porque, mesmo as operações mais simples já não estavam sendo realizadas. Se por um lado alguns consideravam aquilo um desmanche funesto, por outro lado, muitos o achavam divino. Quanta memória morta daria início a novas histórias, novos caminhos. E pensar que o moribundo outrora foi poderoso e admirado...
Listas de candidatos e órgãos se espalharam oficiosamente pelos quatro cantos do País. Junto com elas uma preocupação selava a dúvida: “Será que essa partilha transcorrerá de maneira justa?”
Quando tudo estava encaminhado e parecia resolvido, algo disparou nos aparelhos que monitoravam a UTI. Um registro demonstrava claramente que milagres existem e que ali estava a prova. Suspendam todo o procedimento! Acionem todo o efetivo! Aumentem a adrenalina! Vamos operar com todos os instrumentos! Desfribilador! Um... dois... três... choque! Introduzam o dreno! Ventilem! Temos que aumentar essa pressão! Todos os sistemas vitais estão voltando a funcionar! Oh meu Deus... ele está abrindo os olhos! Ele está vivo!
De imediato a lista de "órgãos" que definia a partilha dos CINDACTAS, dos Controles de Aproximação, das Torres de Controle, das Estações Aeronáuticas mais modestas, foi picada e atirada ao vento. Não sei se a chuva de papel picado era para festejar a sobrevivência daquele espírito de corpo, ou para expressar a desilusão por ver aquele castelo de cartas que acabara de ruir. Enquanto entes queridos do ex-moribundo davam Graças, cegos pelo poder que nutriam a esperança de ver seus feitos florescerem, continuaram cegos.
É muito cedo ainda para saber o tamanho da sequela que esse trauma causou. É muito cedo ainda para saber se a sanidade mental ressuscitada tem consciência do que o futuro lhe reserva no controle de tráfego aéreo. É muito cedo ainda para perder a esperança de que no futuro doações de órgãos ainda ocorrerão, de maneira ordeira, justa e responsável. Mas, o mais preocupante agora é saber se já não é tarde para duvidar.
Eu vou, mas volto!
Celso BigDog
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