quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Desnível de proficiência na equipe e entre equipes ATC.


Já que estamos às vésperas de uma inspeção da ICAO, vamos rever algumas considerações sobre como é o ATC no Brasil:
- Despadronização na adoção e no cumprimento de normas e procedimentos nos órgãos e entre os órgãos ATC;
- Despadronização na adoção e no cumprimento de normas e procedimentos por membros de uma mesma equipe e entre equipes ATC;
- Desnível de proficiência entre membros de uma mesma equipe e entre equipes ATC.

A individualidade humana age vigorosamente e é mais notada em grupos de onde se espera um padrão homogêneo. Equipes de controladores de tráfego aéreo de grandes órgãos de controle desafiam a capacidade gerencial na busca de um nivelamento técnico/operacional para distribuir a carga de trabalho. A intenção é chegar a uma graduação média da capacidade de controle, para então setorizar ou redimensionar setores (subdivisão de uma determinada área destinada à atuação de um contolador e seu assistente, dentro de uma determinada jurisdição) e com isso atingir uma relação ideal entre capacidade de controle e capacidade aeroportuária, de onde se conseguirá extrair a capacidade de absorção do volume de tráfego. Poderíamos dizer que o Gerente de Tráfego Aéreo buscará preparar suas equipes, diferentemente de um técnico esportivo, de maneira que, ao chegar ao final de uma jornada de trabalho tenha conseguido um empate generalizado.
Um dos órgãos de controle brasileiro mais desafiador na tarefa de equalizar experiência, conhecimento e força, é o Controle de Aproximação São Paulo (APPSP). Suas equipes no passado, até a década de 80, eram homogêneas pois cresceram juntas e acompanharam paulatinamente o crescimento do tráfego aéreo. Dizia-se que em São Paulo, o pessoal era tão antigo, mas tão antigo, que um primeiro sargento era o chefe da faxina. A falta de visão ou falta de dados estatísticos dos postos gerenciais, permitiram que esse plantel envelhecesse sem renovação e a sobrecarga de trabalho em seus componentes não era notada diante de sua excepcional experiência e capacidade de controle. Mas o tempo passou e apesar das advertências sobre os rumos do grupo, uma avalanche de controladores se aposentou de uma só vez. Na década de 90 pudemos conviver com a disparidade de proficiência, pois só tinhamos três grupos de controladores: 40% de antigos e experientes, 50% de novos e inexperientes e 10% de alunos e estagiários. Nesse período instalou-se o “Caos”!

Os Controladores antigos adoeceram diante da desumana carga de trabalho. Escalas de reforço foram criadas e eles eram os mais requisitados. Faziam as vezes de controladores, acumulando funções de assistentes, supervisores, instrutores e chefes de equipe.
Os Controladores novos foram expostos à situações perigosas, tendo muitas vezes que assumir posições operacionais sem capacitação para tal. Os sinais disso foram as estatísticas de aumento de ocorrências de tráfego aéreo. Apesar de maquiadas, apresentavam um número crescente e assustador. Observou-se também a gritaria geral das empresas aéreas diante do inexplicável e repentino aumento do consumo de combustível e tempo de vôo, refletindo nos índices do custo operacional.
Os estagiários foram “aproveitados” bastando para isso a mudança da regulamentação. Numa simples canetada criou-se a função de “Assistente de Comunicação” que fazia as vezes de um Controlador Assistente apesar de sua completa incapacidade e imperícia para exercer a função. Suas habilidades básicas eram: “Saber escrever e falar ao telefone”. Foram protagonistas de uma imensa lista de ocorrências de extrema gravidade. Ao invés de conceituarmos a situação como sendo parte de “OJT” – On the Job Trainning, poderíamos assumir um “OJC” – On the Job Challenger. Não se deve aceitar a imposição de que foram responsáveis por isso, porque os verdadeiros responsáveis não estavam à frente de uma console e sim atrás de uma escrivaninha, revelando uma negligência sistêmica que nunca foi assumida.

E "para não dizer que eu não falei das flores", vamos lá:

Lembro-me com saudade de algumas características que exemplificam minhas considerações:
- A Equipe “Padrão”, que se apoiava inflexivelmente sobre normas e regulamentos e de certa forma, diante da inconveniente omissão regulamentar, engessava a aviação.
- A Equipe "Águia" que arrebanhava os “maus elementos” do ATC, mas que segurava o rojão. Apesar dos altos índices de fumantes, biriteiros e bagunceiros, tinha um nível de proficiência muito alto e gabava-se de ter o menor índice de ocorrências de tráfego, e da qual eu orgulhosamente fazia parte. Certa vez, logo após a instalação dos novos equipamentos THOMSON, a Divisão Técnica esqueceu-se de ativar as luzes de emergência na sala do RADAR. Dando mole para as leis de um tal senhor Murphy, faltou energia elétrica e ficamos às escuras, à noite, na hora do rush. Não fossem os isqueiros dos inveterados fumantes para iluminar parcamente as FPV (fichas de progressão de vôo), a aviação brasileira teria virado notícia em todo o mundo. Nossos isqueiros ficaram vazios, nossos dedos ficaram muito queimados, mas ninguém se importou com isso.
- A Equipe “Sal Grosso”, que por simples falta de sorte, detinha o maior índice de acidentes ocorridos durante seus turnos de trabalho. Foram personagens dos acidentes dos Mamonas, TAM 402 e muitos outros de menor repercussão. Confesso que, quando planejava viajar checava antes a escala para averiguar quem iria cuidar do meu vôo. (risos).
- A Equipe “Trem Fantasma”, assim chamada, porque como se fosse num parque de diversões, "a cada curva um grande susto! "
“Fulano de Tal para evitar tráfego faça curva imediata a esquerda proa 270! HUUUUUUU!!!
Por mais que se tentasse diluir algumas peças que compunham a equipe, mandando-as para outras equipes, através do mecanismo de trocas de serviço e o próprio rodízio de férias acabava por juntá-las novamente, quantas vezes fossem separadas.
- Equipe dos "Menudos" era formada por pessoal jovem e maduros com espírito jovem, universitários, “mauricinhos” e destemidos. Poucos permaneceram na FAB. Parte foi para a TASA, para Angola, mudou de ramo e foi para a iniciativa privada. Pode-se ver hoje muitos de seus componentes nos quadros da Infraero.
E finalmente na Torre Congonhas, por exemplo, tinha a "Equipe GOLF” que ..., bem ... deixa para lá. Essa é uma outra estória. Ou seria história?
Celso
N.B. Atendendo a insistentes pedidos, mudei o bicho que representa o ATCo. Melhorou? Ah, a propósito revejam o artigo: "Era uma vez uma inspeção"

2 comentários:

  1. Celso, você me deixa muito orgulhosa . A minha aprendizagem na aviação continua, mas digo sempre que minha maior fonte de ensinamento esteve profundamente ligado aos controladores de tráfego aéreo do Brasil. Obrigada por está aí, na lucidez de sua sabedoria! Beijos Conceição ( Concita)

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  2. Equipe GOLF foi extinta há anos. Remanescentes existem, não há como negar, mas comporiam, no máximo, uma rodada do turno. Rs... Parabéns pela iniciativa e pelos textos bem elaborados. Sou instrutor na TWR-SP, mas cheguei a sampa em 2003. Data posterior à sua saída. O texto sobre pintar a TWR se só quiser reclamar acabou se ser enviado para o pessoal. Muito bom!

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