quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Quem carrega o piano?


Mais complexa do que a elaboração da escala mensal é a distribuição do serviço dentro de uma jornada de trabalho. A escala quantifica o número de horas/mês, visando suprir as posições operacionais relativas à setorização existente, sem ater-se ao volume de tráfego esperado. Já a distribuição em sistema de rodízio pelas posições operacionais exige uma avaliação da capacidade individual de cada elemento da equipe. Nesse momento é que o supervisor baseia-se no conhecimento pessoal de cada membro de seu grupo, nas características do fluxo e volume de tráfego de sua área de controle, e supre as posições operacionais de forma que os turnos e setores mais complexos sejam guarnecidos com elementos adequadamente capacitados.
A exposição de controladores pouco experientes a setores complexos ou com tráfego acima de sua capacidade de controle pode, além de comprometer a segurança, causar males de ordem psicológica que irão perdurar pelo resto de suas carreiras. Por outro lado, a proteção excessiva pode retardar o amadurecimento profissional, trazendo também certos prejuízos ao indivíduo e ao restante do grupo, que continuará carregando o piano.
Não só para formação foram desenvolvidos os simuladores, fundamentais para o aprimoramento da fase que antecede ao OJT, mas também para testar e aprimorar os limites técnicos de controladores habilitados novatos ou não, tanto com alto fluxo de aeronaves como no treinamento de condições “não rotina” e no enfrentamento da “degradação de sistemas”.
Houve um tempo em que o controlador de chegada RADAR era "vaiado" se passasse “um avião que fosse” para o controlador RADAR final. Por sorte essa mentalidade se foi. Os homens provaram que podem ser expostos às pressões extremas com heroísmo, mas entenderam que na aviação civil essa conduta não é condizente com seus desígnios e diretrizes.
Em localidades de alta densidade de tráfego, torna-se muito difícil a inclusão no rodízio dos estagiários ou alunos em seções de OJT. Isso porque uma rendição na posição é relativamente demorada. Testemunhei ocasiões indescritíveis, bem verdade que noutros tempos, onde o controlador teve que aguardar cerca de 30 minutos para assumir o controle do setor, simplesmente porque o controlador a ser rendido não conseguia dar atenção ao seu substituto. Podemos afirmar também que essa rotina torna-se mais trabalhosa na mesma proporção da diversidade de proficiência e capacidade cognitiva dentro da equipe.
Para isso só há um paliativo eficiente, mas não eficaz:
1) Instruir, simular, treinar;
2) Instruir, simular, treinar;
3) Instruir, simular,...
4) Instruir,...
5) ...
Esse é um tratamento único para um mal crônico, característico do ser humano, para que o homem consiga desempenhar seu papel dentro dessa engrenagem crítica sem que suas fraquezas causem um grande mal aos seus semelhantes.
Rodou!

2 comentários:

  1. Falando sobre a carga de trabalho (CT) dos controladores do trafego aéreo, eu acho que:

    1) Nunca deve-se trabalhar acima da capacidade do setor determinada e publicada oficialmente. Porque é igual como decolar com um avião sobrecarregado. Verdade, pode dar certo – como pode dar completamente errado. Lá estamos falando de "probabilidades" ou de operando um setor de controle acima da capacidade publicada. Isto é perigoso, porque esta operação se faz sem as margens de segurança suficientes. O risco é que os “safety buffers” previstos não são mais presentes ou ficam fraquinhos. A segurança não é mais garantida, ou melhor estamos operando com um risco "intolerável".

    2) Pessoalmente estou contra a idéia de só usar controladores confirmados, ou até CTA especialistas por um setor particular. Por exemplo um setor complexo. Acredito que qualquer controlador habilitado na unidade em questão, quer dizer do mais experiente CTA que fica perto de se aposentar, até o mais novo e recém-habilitado, todos deveriam poder saber trabalhar todos os setores da habilitação. E com toda a segurança necessária. Neste respeito acho um jovem deverá ter amadurecido tanto durante a formação dele (sob supervisão com controladores experientes (OJT)) que, quanto ele (ou ela) é relaxado sozinho nos setores como controlador aéreo habilitado, que ele deveria ter a rotina e a experiença operacional suficiente por saber operar nestes setores em questão com toda a segurança e com a independência necessária e suficiente. Sim, o CTA recem-habilitado tem possuir a capacidade de afrontar qualquer situação de trafego (dentro das margens do sistema ATM) – inclusive as situações “incomuns” ou até momentos com falhas ou problemas.

    E bem evidente que a rotina e a experiência operacional vai em aumentando com cada mês trabalhando – em com cada ano mais efetuado com CTA habilitado. Mais ao meu ver o problema no Brasil é justamente a precaridade da formação CTA. O feito de “jogar” e largar controladores novos com poucas horas operacionais na operação e por operar setores enormes e bem complexos. Nesta realidade eles têm afrontar situações e realidades operacionais que eu não queria afrontar pessoalmente (mesmo tendo mais que 25 anos de vida profissional como CTA). Vai de falhas, insuficiencias no equipamento, problemas de ver ou alcançar tráfego sob controle e dentro do setor até ferramentas mal-desenhadas (p.e. Fatores Humanos) - são muitas coisas! Caro Celso, acho é exatamente este o problema que você toca no seu artigo. A solução ao meu ver não é deixar estes novatos trabalhar com menos trafego e quando é menos complexo. Não é a solução ao meu ver como no fundo o problema é na formação deles que é curta demais e que joga "crianças" dentro das operações "live". Eles não tem o grau de formação e a competência suficiente por trabalhar duma maneira segura e independente. Então o que é melhor? Combater os sintomas evidentes e bem identificados no "fundo" - raiz? Ou dar um jeitinho que vai possivelmente contornar o problema e torcendo que nada vai acontecer durante a acumulação da rotina?

    3) Finalmente: Eu não acredito muito nos simuladores por fazer a preparação completa dos aspirantes controladores do trafego aéreo. E verdade que um simulador bem feito que fica bem perto da realidade operacional nos setores tem muitos méritos e vantagens. Mais temos também aceitar o feito que um simulador não pode simular tudo. Por exemplo falhas de sistema, simular situações fora do comum e longe da rotina operacional. Ou até a maneira como os pilotos (em particular aqueles que falam inglês, sobretudo com uma freqüência bem pior do que no simulador (onde é muitas vezes uma linha telefônica)) falam na realidade no VHF. Isto nunca pode se simular. E só a rotina operacional pode oferecer este tipo de experiencia a eles. Celso, acho o seu blog excelente. Ele até oferece alguns exemplos de conversas engraçadas entre controladores brasileiros e pilotos que vem fora do pais, falando inglês.

    Chris IFATCA

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  2. Caro Chris, meu amigo Gilgen.
    Sua presença aqui no blog só engrandece a estima que tenho por você e pela classe de Controladores dos quatro cantos do planeta. Recebo suas palavras como um presente vindo da Suiça, mas ungido pelos nobres princípios da IFATCA e suas Federadas em todo o mundo. Obrigado.
    Acho que estou começando a ficar chique, pois semana passada recebi comunicado do Figueiredo da Thales em Paris, declarando-se assíduo leitor desse blog. Isso me enche de orgulho e me dá forças para nunca desistir do sonho de um dia ver um ATC/ATM mais seguro, mais eficiente e principalmente mais humano.
    Paz e Bem!

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